Mais uma tarde solarenga na cidade de Lisboa, que harmonizava em pleno com a expectativa para a prova de vinhos que se seguiria... A lista de referências era de fazer crescer água na boca de qualquer enófilo, nomeadamente dos apreciadores do grande generoso da Península de Setúbal: o Moscatel.
À chegada, uma surpresa muito agradável, pois ao contrário do que estava previsto, Domingos Soares Franco estava presente e iria ele mesmo conduzir toda esta viagem pelos extraordinários vinhos fortificados produzidos na José Maria da Fonseca (JMF). Após uma elaborada introdução, em que explicou com pertinência diversos aspectos importantes (como por exemplo a designação correcta da casta que dá origem aos Moscatéis de Setúbal, a Muscat d'Alexandria), a prova começou. Eis algumas breves impressões sobre os magníficos vinhos apresentados no dia 23 de Maio:
Moscatel de Setúbal 2007
Cor topázio com aromas muito directos a casca e compota de laranja, notas de mel e fruta doce bem presentes no paladar, corpo e final medianos, um moscatel saboroso.
Moscatel de Setúbal Colecção Privada Domingos Soares Franco 1998
Moscatel obtido com recurso a aguardente da região francesa de Armagnac. Aromas muito florais, feminino, mais suave que o anterior no ataque de boca, apenas no final se sente um pouco a aguardente, que estará ainda por casar totalmente. Conjunto elegante e requintado.
Moscatel Roxo Colecção Privada Domingos Soares Franco 2003
Aqui começamos a entrar noutra liga, de sabores bem intensos, textura glicerinada, final mais persistente e com alguma especiaria evidente. A casta tinta Moscatel Roxo mostra um carácter diferente da sua congénere branca, com resultados muito apelativos!
Moscatel de Setúbal Alambre 10 Anos (375 ml)
Um moscatel com alguma complexidade, aromas florais, paladar texturado, termina com nuances de laranja e leve amargo vegetal. Uma curiosidade, antes de passarmos aos lotes mais velhos.
Moscatel de Setúbal Alambre 20 Anos (375 ml)
Um grande moscatel e de longe a melhor relação qualidade-preço oferecida pela JMF (24,00 € na Garrafeira Nacional para a garrafa de 500 ml). Nuances de laranja em geleia e frutos secos nos aromas complexos, textura aveludada na boca, grande personalidade e final de prova extraordinário. Presença obrigatória na garrafeira de qualquer enófilo apreciador de moscatéis.
Moscatel de Setúbal Alambre 30 Anos (375 ml)
A partir daqui vão faltando os adjectivos nesta prova... Um lote fantástico, cor em tons topázio-escuro, uma complexidade no nariz, uma acidez, frescura e persistência impressionantes, há que provar para perceber o nível...
Moscatel de Setúbal Alambre 40 Anos (375 ml)
Este Alambre é verdadeiramente esmagador e assombroso, o aroma floral que ainda exala um lote desta idade, o corpo cheio e autoritário, termina num final de maior comprimento ainda que o 30 Anos, interminável, prazer em estado líquido!
Moscatel Roxo 20 Anos (500 ml)
Os dois últimos vinhos da prova, são dos generosos mais impressionantes que alguma vez bebi, batendo-se com os melhores Portos e Madeira que tive oportunidade de provar, contando-se entre estes um Kopke Colheita 1961 ou um Kopke White 40 Anos... É uma experiência pobre, eu sei, mas é o que se arranja! Este lote de Moscatel Roxo 20 Anos dispensa comentários, e é uma experiência obrigatória para qualquer enófilo... Os aromas são inebriantes, com as notas de laranja típicas sempre presentes, muito frescas, algum caramelo. Na boca explode, envolvendo o palato em prazer, sabores de rara profundidade, o final de prova é também interminável e a elegância será a nota dominante, um moscatel de excelência.
Bastardinho de Azeitão 30 Anos (500 ml)
Este licoroso produzido com base na casta bastardo, é uma verdadeira raridade, e será por isso a piéce de resistance no portefólio da JMF. Para Domingos Soares Franco, não há nada igual em lado nenhum, opinião de que partilho desde que o provei pela primeira vez (sim, esta foi a minha segunda vez com o Bastardinho!). Apresenta-se de cor topázio com alguma vivacidade, o aroma nostra uma mistura de fruta madura e frutos secos, único. Na boca é encorpado, texturado, harmonioso com a acidez perfeitamente integrada num final de frescura invejável, cheio de carácter e uma persistência só presente nos grandes vinhos do mundo...
Para terminar a minha apreciação sobre esta extraordinária prova, deixo algumas notas que quero partilhar com todos. Desde logo, a qualidade de todos os vinhos provados, que impressiona qualquer enófilo, existindo um fio condutor notório desde o Moscatel de Setúbal 2007 até ao Moscatel Roxo 20 Anos, a identidade de uma empresa marcante nos vinhos da Península de Setúbal e de Portugal. De todos, destaco essencialmente três vinhos.: em primeiro lugar, o Moscatel de Setúbal Colecção Privada Domingos Soares Franco 1998, pela sua tremenda apetência para harmonizações elegantes com diversas sobremesas, num registo simultaneamente delicado mas com muito carácter, um estilo conseguido essencialmente conseguido à custa do Armagnac e que não associamos à partida aos moscatéis de Setúbal; em segundo lugar, o Moscatel de Setúbal Alambre 20 Anos, cujo preço de prateleira extremamente acessível é quase insultuoso para o mercado, tendo em conta a qualidade deste produto; por último, o Moscatel de Setúbal Roxo 20 Anos, para muitos dos presentes o melhor de toda a prova. Trata-se de facto de um vinho que marca a memória de forma indelével, nos aromas, nos sabores, um prazer absoluto e também um dos grandes vinhos generosos feitos no país.
Mas (e há sempre um mas), para mim um vinho se destaca de todos os restantes: o Bastardinho de Azeitão 30 Anos. Este rompe com o tal fio condutor de que falava anteriormente, é um autêntico aguaceiro em dia de sol! As uvas de cepas centenárias de Bastardo transportam aromas, sabores e sobretudo uma acidez que nos remete para um outro patamar... Não existe de facto nada igual, é um campeonato à parte com um único concorrente... O meu único conselho é apenas este: provem, uma e outra vez, se puderem...
todos os moscatéis desta casa são muito bons e estes que estavam á prova eram de facto os melhores. O 20 anos é um ícone que já provei muitas vezes e percebe-se de facto o cuidado prestado na elaboração do lote. Mas e embora perceba o quanto o Bastardinho é querido ao Miguel, a minha preferência é invariavelmente puxada para esse portento que é o Roxo 20 anos. É de uma complexidade anormal, gordo e guloso. Como disse o Miguel no fim da prova aquele era a sobremesa perfeita. Nem era o vinho de sobremesa perfeito. Era a sobremesa, mais nada. Está na calha para vir parar á garrafeira cá de casa.
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